Futebol Feminino

“Football de moças”, a lendária partida no Pacaembu

Football de moças”, a lendária partida no Pacaembu

Depois de 80 anos do memorável jogo que gerou apoios e revoltas, o futebol feminino ainda continua quebrando tabus

Na década de 40, quando a autonomia feminina ainda era um tabu para a maior parte das famílias, um jogo de futebol feminino marcou história e “chocou” a sociedade paulistana ao ser a atração principal na inauguração da iluminação do Estádio Paulo Machado de Carvalho, conhecido internacionalmente como Estádio do Pacaembu.

Getúlio Vargas, o mesmo presidente que assinou o decreto 3.199 que proibiu mulheres de jogarem futebol no ano seguinte, esteve presente na lendária partida que teve Casino do Realengo e S.C. Brasileiro – times do subúrbio carioca – como destaques do jogo que completou em 2020, 80 anos desde que tumultuou a opinião pública.

Conhecido na época como “football de moças”, a partida entre as mulheres abriu o amistoso dos gigantes São Paulo e Flamengo. O jogo feminino era para ser apenas uma exibição do talento que elas tinham em campo, assim como demonstravam nos circos do início do século, mas acabou se tornando um divisor de águas na trajetória do esporte.

Foto: Reprodução Diário da Noite, 7 de maio de 1940.

A polêmica disputa ganhou repercussão nacional e um cenário controverso: enquanto parte da imprensa apoiava o jogo das mulheres, a outra parte repudiava e pedia atenção das “autoridades do país” para impedir aquilo que chamaram de “calamidade prestes a desabar na juventude feminina do Brasil”.

Foi essa fatídica partida que gerou ainda mais pressão para que, pouco mais de um ano depois, em setembro de 1941, o Conselho Nacional dos Desportos (CND) viesse a decretar a proibição do futebol para mulheres.

Polêmica nacional

O primeiro jogo de futebol feminino brasileiro em um grande estádio rendeu polêmicas por todo o país. O presidente Getúlio Vargas e jornais de todo o Brasil recebiam cartas de apoiadores e críticos para que a partida não acontecesse por ser um “perigo à saúde e aos princípios das mulheres de boa educação”.

“Mulher não poderá praticar esse esporte violento sem afetar, seriamente, o equilíbrio psicológico das funções orgânicas, devido à natureza que a dispôs a ‘ser mãe’. Conforme opinião de alguns expoentes da medicina, as pancadas violentas contra os seios podem, até dar origem ao câncer”, dizia o trecho de uma carta publicada no Diário da Noite, em 7 de maio de 1940.

Manchetes diziam que “pés de mulheres não foram feitos para se meter em chuteiras” e outras diziam que mulheres em campo seriam “um disparate esportivo que não poderia continuar”.

Tamanha foi a polêmica e o interesse popular da sociedade paulistana pelo jogo entre as mulheres que na época, só acontecia de maneira clandestina, que a partida teve um público de 65 mil pessoas e terminou com vitória do S.C. Brasileiro sobre o Realengo por 2 a 0, com gols de Zizinha e Sarah.

Foto: Reprodução Correio Paulistano de 19 de maio de 1940

Mesmo meses depois de as jogadoras cariocas serem atrações no Pacaembu, “especialistas” continuavam a aparecer com cartas nas redações dos jornais locais com teses sobre os motivos que impediam mulheres de praticarem o esporte.

“O futebol é um esporte violento capaz de alterar o equilíbrio endócrino da mulher”, afirmava o Dr. Leite de Castro ao jornal O Dia Esportivo, de Curitiba, em 26 de Junho de 1940.

Até que em 4 de setembro de 1941, saiu definitivamente o decreto que proibia mulheres de praticarem futebol e outros esportes “incompatíveis com sua natureza”. Essa lei só foi extinta em 1979.

Foto: Acervo internet

O lendário jogo de mulheres no Pacaembu ficará marcado para sempre como a primeira competição que quebrou tabus e mostrou para a sociedade local o valor, o talento e a ousadia de jogadoras que não se preocuparam com apontamentos e opiniões alheias. A partir desta fatídica partida, outras tantas apaixonadas pelo esporte surgiram e tiveram combustível para lutar pelo esporte que podemos praticar livremente hoje, 80 anos depois.

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