Futebol Feminino

Claudina Vidal, uma Joana D’Arc no futebol

Claudina Vidal, uma Joana D’Arc no futebol

No tempo em que não havia futebol feminino profissional, uma jogadora uruguaia se destacou jogando apenas com homens

Há 51 anos, Claudina Esther Vidal foi a primeira mulher a jogar futebol em um time só de homens. Vestindo a camisa do Paysandu, no Uruguai, a jogadora era prima do então treinador do time, Astur Vidal.

O convite para integrar o time foi porque a uruguaia era conhecida como “terror dos goleiros”. Árbitros locais ameaçaram boicotar qualquer jogo em que Vidal, ou qualquer outra mulher, estivesse jogando.

Mas a resposta favoreceu a jogadora: a Associação Uruguaia de Futebol disse que não havia nenhuma regra que a proibisse de ingressar e ela seguiu disputando jogos pela camisa do clube.

Embora a jogadora tenha sido uma pioneira de sua geração, uma verdadeira Joana D’Arc em uma época em que só havia homens na modalidade, Claudina sofreu muito preconceito e passou por situações tão machistas que soam até inimagináveis nos tempos atuais.

“Ela é a única mulher do mundo que joga num time de homens, um show inédito. Longe de ter intimidade com a bola, não é otária e corre noventa minutos sem parar.” Foram com essas palavras preconceituosas e grosseiras que a Revista Placar apresentou aos leitores Claudina Vidal, na época camisa 9 do time uruguaio Sud América.

A reportagem especial da Placar com a uruguaia foi feita em 24 de março de 1972, quando o repórter Roberto Appel teve a ideia de acompanhar e fazer uma reportagem inédita para acompanhar a pioneira.

Para o texto, outra fala retrógrada e misógina foi repercutida com naturalidade pelo periódico. “Estamos oferecendo um show inédito. Nunca dissemos que Claudina joga bem. Nossas apresentações baseiam-se em Claudina, a mulher que sabe jogar futebol”, disse Carlos Etchevarría, um dos organizadores do jogo entre Sud América e Operário Futebol Clube, da cidade gaúcha de Alegrete, próximo à fronteira com o Uruguai.

Não existem muitos registros sobre a história de Claudina depois de se aposentar ou em passagens por outros clubes. O fato é que a trajetória da jogadora expõe o preconceito com que as mulheres eram tratadas no meio futebolístico.

Lembrando que na época, no Brasil, um decreto-lei publicado em 1941 proibia a prática do futebol feminino – seria revogado em 1979, quase uma década depois de Claudina começar sua carreira.

No texto original publicado pela Placar é possível ver como avançamos nas questões de igualdade de gênero, de liberdade e prática esportiva. A jogadora é questionada sem nenhum pudor sobre menstruação, virgindade e clichês femininos que estão se distanciando cada vez mais da realidade das mulheres. Abaixo reproduziremos parte da reportagem que nos mostra o comportamento da sociedade da época e como a atuação de Claudina pode ter impactado sua geração e até mesmo os dias de hoje. Leiam abaixo:

Nome? Claudina Vidal, 20 anos, 1,78 metro, 62 quilos.

Tens namorado? Não, não gosto de ninguém.

Qual o tipo de homem que preferes? Detesto cabeludos. Mas não adianta falar, porque não tenho nenhum homem.

Tua vida social, como é? Vou ao cinema, a bailes. Mas já faz tempo que isso não acontece, porque preciso me cuidar para estar sempre em forma.

Quando estás com a bola e o adversário tenta tirá-la, o que fazes? (Silêncio dos jornalistas na sala de entrevista, Carlos Etchevarría pega a palavra.) Ora, ela tenta o drible. Não é isso, Claudina?

Como é que dominas a bola no peito? Sem problema nenhum. Cuido apenas que a bola seja aparada pouco abaixo do pescoço.

Não tens medo de levar uma bolada nos seios? Procuro me proteger cruzando os braços quando a bola é chutada contra mim. Mas os homens também têm de proteger certas partes, não é?

Um adversário nunca tentou brincar contigo, fazer carícias durante o jogo? Eles não têm coragem para isso, me respeitam. Sabem que o resto do time reagiria em minha defesa. Assim, quase nunca sou molestada em campo.

Como fazes quando estás menstruada? (Silêncio novamente, Etchevarría a socorre.) Nós controlamos tudo e sabemos perfeitamente quais os dias em que não podemos contar com Claudina. Cuidamos para não marcar jogos que coincidam com isso e a poupamos nos treinos.

Trocas de roupa junto com os homens? Sempre saio uniformizada do hotel. Primeiro visto um maiô preto bem justo, para firmar o corpo e os seios, e depois a camisa cor de laranja (nº 9) e o calção preto.

Tomas banho depois do jogo? Só vou tomar banho mais tarde, no hotel. Saio de campo, visto minha calça preta e minha blusa estampada por cima do uniforme e vou para o hotel.

Por que não te pintas, como toda mulher? Não gosto de pintura. Em campo, não tem o menor sentido. Como estou sempre treinando, perderia muito tempo com isso. Aliás, não acho que a mulher deva se maquiar, cada uma faz o que bem entende.

Claudina, és virgem? Claro, ainda não gosto de ninguém, só de jogar futebol.

O que acharam da entrevista? Escreva nos comentários sua percepção sobre as mudanças da sociedade ao longo dos anos em relação ao futebol e às mulheres.

Posso ajudar?